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Como ler as Sagradas Escrituras?
Para muitas pessoas, as Sagradas Escrituras são um livro com sete selos. Não é uma obra unificada, mas uma coleção de escritos criados durante cerca de 1500 anos e compilados sob a forma que temos hoje.
O que são?
Para muitas pessoas, as Sagradas Escrituras são um livro com sete selos. Não é uma obra unificada, mas uma coleção de escritos criados durante cerca de 1500 anos e compilados sob a forma que temos hoje. A Bíblia pode ser lida sob muitos pontos de vista diferentes. Para alguns, ela é um documento histórico que acompanhou a história de Israel e a história de um cisma sectário mais tarde chamado cristianismo. Para outros – como judeus e cristãos – ela é a Palavra de Deus. Os cristãos, porém, sabem que (como o YOC 14 diz): “A Bíblia não caiu do céu feita, nem Deus a ditou a autómatos, isto é, escritores inconscientes. Antes, ‘para escrever os livros sagrados, Deus escolheu e serviu-Se de pessoas na posse das suas faculdade e capacidades, para que, agindo Ele neles e por eles, pusessem por escrito, como verdadeiros autores, tudo aquilo e só aquilo que Ele queria.’ (Concílio Vaticano II, DV 11)”. Porque a Sagrada Escritura é inspirada pelo Espírito Santo, ela não pode ser lida sem o Espírito Santo, e não sem o questionamento: ‘O que deseja Deus comunicar-nos com esta Palavra?’. “A Sagrada Escritura,” diz o YOUCAT 16 “lê-se corretamente se for lida em atitude orante, ou seja, com a ajuda do Espírito Santo sob cujo influxo ela surgiu. Ela contém a Palavra de Deus, isto é, é a decisiva mensagem de Deus para nós.”
O que diz a Bíblia?
O cristianismo não é a religião de um livro, por muito que valorize a Palavra. Nem mesmo a Palavra de Deus consiste em 4.410.133 letras. A “Palavra” por excelência é Jesus Cristo. Ele é Aquele de quem se fala no prólogo de João: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus. No princípio Ele estava em Deus."(Jo 1,1-2). Essa Palavra não se fez um livro, mas fez-se ‘carne’. Mesmo assim, as muitas palavras das Sagradas Escrituras são extremamente preciosas; não se deve interpretá-las de maneira equivocada, como se nelas pudéssemos encontrar instruções sobre como cozinhar bem ou dicas celestiais sobre como organizar o tráfego nas estradas. É nas 738.765 palavras da Escritura que o autêntico e insuperável testemunho da única Palavra de Deus acontece. A apreciação é expressa na segunda carta de Timóteo que diz: "... desde a infância conheces as Sagradas Escrituras e sabes que elas têm o condão de te proporcionar a sabedoria que conduz à salvação, pela fé em Jesus Cristo. Toda a Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça. Por ela, o homem de Deus se torna perfeito, capacitado para toda boa obra" (2Tm 3, 15-17).
Desde o início da Igreja, as Escrituras têm sido proclamadas primariamente em adoração. Em memória de Mt 4,4 ("Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus"), a liturgia foi dividida em Liturgia da Palavra e Liturgia Eucarística. A conexão entre elas é a homilia, a qual lida sempre com a parábola do semeador: "E aquele que recebeu a semente em boa terra é o que ouve a palavra e a compreende: esse dá fruto e produz ora cem, ora sessenta, ora trinta" (Mt 13,23). Então a pergunta “Como ler corretamente a Bíblia?” deveria ser complementada pela questão “Como ouço corretamente a Palavra de Deus?”. Os cristãos ouvem e leem as Sagradas Escrituras tendo uma palavra da carta de São Tiago em seus ouvidos: "Sede cumpridores da palavra e não apenas ouvintes; isto equivaleria a vos enganardes a vós mesmos" (Tg 1,22). Meister Eckhart tirou um poderoso ditado disso: "Um mestre vivo é melhor do que mil mestres de leitura."
Uma pequena catequese do YOUCAT:
Toma e lê!
Se os smartphones existissem na época de Agostinho de Hipona (354-430), teríamos diversas selfies dele. O jovem argelino era inteligente, veloz, embora totalmente auto-referenciado. Da província norte-africana, ele foi para onde era a moda – Milão. Lá, assumiu um trabalho muito fixe como professor de retórica. Hoje diriam: ele treinou copiadores. Agostinho experimentou consigo mesmo e com o esoterismo maniqueísta; ele tinha interesse no sexo e teve um filho com a sua companheira de vida.
No início dos seus 30 anos, a morte de um amigo fê-lo mergulhar numa profunda crise de vida. Agostinho registou o seu momento de viragem: "Sem saber como, atirei-me ao chão debaixo da figueira e deixei as lágrimas escorrerem... exclamei: ‘Por quanto tempo? Até quando? Amanhã e também depois? Por que não agora?’... Assim, falei e chorei com a maior amargura no meu coração. Então ouvi da porta do vizinho a voz de um menino ou de uma menina repetindo em tom de canto: ‘toma e lê, toma e lê’.
Toma e lê!
Então enxuguei as minhas lágrimas e levantei-me, incapaz de pensar em outra explicação a não ser uma voz divina ordenando-me a abrir as Sagradas Escrituras... Alcancei o livro, abri-o e li silenciosamente para mim mesmo o primeiro parágrafo que os meus olhos encontraram: 'Comportemo-nos honestamente, como em pleno dia: nada de orgias, nada de bebedeira; nada de desonestidades nem dissoluções; nada de contendas, nada de ciúmes. Ao contrário, revesti-vos do Senhor Jesus Cristo' (Rm 13, 13-14). Eu não queria mais continuar a ler, não havia necessidade; porque na conclusão dessas palavras a luz da paz veio sobre o meu coração, e as trevas da dúvida dissiparam-se.” Assim diz o oitavo capítulo da obra “Confissões”, provavelmente o livro mais importante já escrito por um cristão, depois das Escrituras.
Até então, Agostinho era um bom vivã. Ele agarrava tudo o que podia. O mundo espiritual só lhe interessava onde pudesse extrair mel em seu próprio benefício ou auto-exaltação. E era assim que ele lidava com as pessoas. De repente, porém, ele sentiu-se confrontado, reconhecido, visto à transparência. Foi o fim do espetáculo! Ele sabia que tinha de dar uma reviravolta à sua vida. Daquele momento acidental em diante, uma dinâmica tremenda chegou à vida intelectual daquele jovem. Ele foi batizado e de fatco revestiu-se de Cristo, como que colocando roupas novas. Ele não só se sentiu renascido. Ele nasceu de novo.
Agostinho, que até então lidava com milhares de livros, focou-se no único livro que o confrontou com as mentiras da sua vida, ao mesmo tempo que abriu as portas para uma outra vida. Ele deu a esse livro a chance de conhecê-lo melhor: “Se você crê somente naquilo que gosta no Evangelho e rejeita o que não gosta, não é no Evangelho que você crê, mas, sim, em si mesmo.”
Um livro que cresce em você
Existem livros que perdem relevância ao longo dos anos – livros infantis, romances para jovens pelos quais já te entusiasmaste – e aqueles que pareceram diminutos num primeiro momento, e que apenas os descobres à segunda vista. E há aqueles que crescem mais e mais com os anos, aliás, que se mostram inesgotáveis. Um deles é a Bíblia. E é assim que Agostinho a experienciou: “A Bíblia foi composta de tal forma que, à medida que os iniciantes amadurecem, o seu significado cresce com eles.” Ou em outro ponto: “A Bíblia é rasa o suficiente para uma criança não se afogar, mas profunda o suficiente para um elefante nadar.” Ninguém nunca terminou de ler a Bíblia; e mesmo o grande ateu e dramaturgo Bert Brecht certa vez confessou, quando perguntado sobre qual era o livro da sua vida: “Você vai rir – a Bíblia!”. Brecht provavelmente deliciava-se com a vida farta das Sagradas Escrituras. Agostinho encontrou a vida eterna ali. Como ele testemunhou, “Quando lês as Sagradas Escrituras, Deus fala-te.” Com algumas fortes palavras, o Papa Francisco aconselhou as Sagradas Escrituras aos jovens; disse: “Vocês têm nas mãos, portanto, algo de divino: um livro como fogo! Um livro no qual Deus nos fala!”. O seu predecessor, Papa Bento XVI, advertiu-os: “Estimados jovens, meditai com frequência a palavra de Deus e permiti que o Espírito Santo seja o vosso Mestre. Assim, haveis de descobrir que os pensamentos de Deus não são os dos homens; sereis levados a contemplar o verdadeiro Deus e a ler os acontecimentos da história com os seus olhos; haveis de saborear a alegria que nasce da verdade.”
A ciência pode ajudar...
A interpretação científica da Bíblia pode ajudar a entender melhor as circunstâncias dos tempos e o significado literal dos textos bíblicos. Mas alguém que espera ser capaz de sintetizar os significados desses textos, ou resumi-los a livros objetivos, ficará dececionado. Por outro lado, qualquer um cujos ouvidos foram abertos uma vez apenas por conta de um versículo de um salmo ou uma palavra de Jesus que o tocou dos pés à cabeça, qualquer um que tenha sentido: isso é dito a mim, exatamente onde me encontro - nunca mais pensará na Palavra de Deus como um falecido antigo tesouro cultural. Irá antes concordar com o grande filósofo dinamarquês Sören Kierkegaard, quando diz que: "A Bíblia é a carta do amor de Deus dirigida a nós. " e ela "não existe para nós criticarmos, mas para nos criticar." "Por isso," diz o YOUCAT 16, "temos de acolher as Sagradas Escrituras com grande amor e respeito. Primeiro, devemos realmente ler a carta de Deus, isto é, não isolar pormenores sem atender ao todo. Depois, devemos orientar esse todo para o seu coração e mistério, ou seja, para Jesus Cristo, de quem fala toda a Bíblia, mesmo o Antigo Testamento. Portanto, devemos ler as Sagradas Escrituras na mesma fé viva da Igreja em que elas surgiram."
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